ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo)
versão impressa ISSN 0102-6720
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.27 supl.1 São Paulo 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-6720201400S100012
ARTIGO ORIGINAL
Procedimento de plasma endoscópico de argônio no tratamento do reganho de peso após a cirurgia bariátrica: qual o conhecimento dos pacientes sobre isto?
2Trabalho realizado no Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Vita Batel – Endobatel, Curitiba, PR, Brasil
RACIONAL:
A cirurgia bariátrica, em especial o bypass gástrico em Y-de-Roux é tratamento efetivo para a obesidade mórbida refratária, promovendo perda de 75% do excesso de peso inicial. Após o procedimento, no entanto, pode ocorrer reganho em 10-20% dos casos. Para auxiliar, há a fulguração com argônio endoscópico que objetiva a redução do diâmetro anastomótico. Muitos pacientes que se submetem a este tratamento, nem sempre conhecem o processo e seus respectivos cuidados.
OBJETIVO:
Analisar o modo como o candidato ao procedimento de plasma endoscópico de argônio, entende o processo e absorve as informações transmitidas pela equipe multiprofissional.
MÉTODO:
Foi elaborado um questionário com 12 questões do tipo Verdadeiro/Falso no intuito de avaliar o conhecimento do paciente acerca do método ao qual estava prestes a ser submetido. O questionário foi aplicado pelo médico cirurgião no momento de sua consulta no período pré-procedimento. Os pacientes foram convidados livremente a preencher o questionário.
RESULTADOS:
Verificou-se que a maioria conhecia o procedimento através da internet; sabia que era tratamento ambulatorial; que a anestesia era similar à da endoscopia; que necessitava de dieta líquida. Mas, nem todos sabiam que ela era para melhorar a cicatrização local.
CONCLUSÃO:
Os pacientes bariátricos que possuem uma segunda chance para retomar o emagrecimento, precisam de orientações permanentes. A internet debe ser usada pela equipe multiprofissional para conscientização de que o PEA não será suficiente para a perda e manutenção de peso em longo prazo. Ainda há a necessidade de re-esclarecer o prejuízo da ingestão de álcool no processo de perda de peso, amplamente divulgando seu malefício.
Palavras-Chave: Coagulação com plasma de argônio; Cirurgia bariátrica; Endoscopia; Ganho de peso
INTRODUÇÃO
O reganho de peso após a cirurgia bariátrica, em especial o bypass gástrico em Y-de-Roux, apresenta alta prevalência e pode ocorrer após 18-24 meses do procedimento cirúrgico. Muitas causas podem ser responsáveis por ele, como o retorno ao hábito alimentar anterior à operação, o consumo alcoólico exacerbado, o sedentarismo e o excesso de confiança de que somente a cirurgia bariátrica fará todo o processo de perda e manutenção de peso, e que o comprometimento do paciente no seu tratamento crônico para a obesidade está a salvo.
Embora o retorno à equipe multiprofissional seja a melhor maneira de controlar e tratar o reganho de peso, um tratamento inovador e não invasivo, conhecido como Plasma Endoscópico de Argônio (PEA)2, vem sendo utilizado no Brasil desde 2009 pelos autores, para ajudar a controlá-lo. Este procedimento é ambulatorial, seriado e realizado através de endoscopia digestiva alta, o qual gradativamente reduz o diâmetro da anastomose gastrojejunal, aumenta o tempo de esvaziamento gástrico e causa saciedade precoce, redução da ingestão alimentar e favorece desta forma a perda ponderal.
Porém, nem sempre o paciente conhece e compreende as orientações da equipe multiprofissional para o procedimento. A necessidade de sair do ciclo de reganho de peso, que afeta muitos, faz com que qualquer informação que traga a esperança da perda de peso, torne-se a melhor opção para o momento. A tendência é que, depois do procedimento, as dúvidas apareçam e precisem ser sanadas, caso elas não tenham sido elucidadas antes da primeira sessão de PEA.
O objetivo do presente estudo foi analisar o modo como o candidato ao procedimento de PEA, entende o processo e absorve as informações transmitidas pela equipe multiprofissional.
MÉTODOS
Foi elaborado um questionário com 12 questões (Figura 1), do tipo Verdadeiro/Falso no intuito de avaliar o conhecimento do paciente acerca do método ao qual estava prestes a ser submetido. O questionário foi aplicado pelo médico cirurgião no momento de sua consulta no período pré-procedimento. Os pacientes foram convidados a preencher o questionário e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Vita Batel, Curitiba, PR, Brasil.
Foram 69 questionários aplicados para pacientes de ambos os sexos, candidatos ao procedimento para diminuir o peso recuperado pela dilatação da anastomose gastrojejunal, ou completar a perda de peso não alcançada somente com a cirurgia bariátrica. Dos pacientes que preencheram o questionário de conhecimento sobre o método PEA, dois entregaram o questionário em branco (2,89%). Mais dois participantes (2,89%) preencheram apenas a primeira página, deixando-o incompleto. Questionários incompletos e brancos foram excluídos da amostra, sendo que a amostragem totalizou 65 pacientes. Destes, apenas nove passaram por entrevista psicológica prévia ao PEA (13,8%). Essa variável não interferiu nos resultados do questionário. Um dos participantes que entregou o questionário em branco, e outro que respondeu apenas a primeira foram excluídos.
Os dados obtidos foram tabulados em planilha do Excel, versão 2007 e foi realizada a média das respostas.
RESULTADOS
Do número total de pacientes que preencheram o questionário, 40 (61,5%) souberam do procedimento através da internet, que consideraram o meio de acesso e divulgação mais eficaz, quatro (6,15%) souberam através de amigos, oito (12,3%) por recomendação médica, seis foram informadas diretamente pelo seu cirurgião (9,12%), um através de revista (1,5%). Outros motivos levaram cinco pessoas (7,65), a procurarem os serviços de PEA (Figura 2A).
Do grupo em geral, 89,2% dos entrevistados estavam conscientes de que o PEA não era garantia para manutenção de peso, contra seis (9,2%) que acharam que ele seria essa garantia (Figura 2B).
Quando interrogados sobre qual a função efetiva do procedimento, 59 pessoas (90,7%) tiveram boa compreensão do processo que serve para estreitar a passagem do alimento e permitir maior tempo de saciedade gástrica, o que pode minimizar a ingestão alimentar. Porém, três (4,16%) consideraram esta informação falsa e outros três (4,16%) deixaram a questão em branco (Figura 3A).
Já quanto ao número de sessões necessárias, o índice de dúvidas foi alto, sendo que 69,2% dos entrevistados acreditava que precisaria de até três sessões, 1,5% (um paciente) entendeu que precisaria de apenas uma sessão, 7,6% (cinco) que era importante de cinco a sete sessões, e uma pessoa (1,5%), deixou a questão em branco (Figura 3B).
Sobre a necessidade de internação, anestesia e repouso após o procedimento, 16 pacientes (24,6%) consideraram que precisariam ficar internados e em repouso além de anestesia, 67,6% (44 pessoas) entenderam que não precisariam destes cuidados especiais e apenas cinco (7,6%) deixaram de responder a questão (Figura 4A)
Quando questionados se o PEA é procedimento ambulatorial, minimamente invasivo, 98,4% (64 pacientes) confirmaram a informação e apenas um (1,5%) não respondeu.
Questão controversa ficou com o consumo de álcool após o procedimento, que dividiu opiniões: 40% dos entrevistados acreditava que o álcool poderia ter efeito negativo sobre o estômago; 47,7% confiavam que o álcool não causasse nenhum problema e 12,3% deixaram a questão em branco (Figura 4B).
A restrição da consistência alimentar após o PEA é bastante importante e 73,8% dos entrevistados tinham consciência de que a dieta líquida influenciava a cicatrização e proteção do estômago, mas ainda uma porcentagem grande (18,4%) acreditava que a limitação da consistência alimentar era para promover o emagrecimento (Figura 5A).
Dos entrevistados, 80% sabiam que a anestesia utilizada para a PEA não era igual à da operação, e que por ser apenas uma endoscopia facilitaria a recuperação e o retorno às atividades laborais e cotidianas; mas, seis (9,2%) achavam que a anestesia era igual à da operação e sete (10,7%) deixaram a questão em branco (Figura 5B).
Para 87,6% dos pacientes a alimentação não seria permitida de forma livre e haveria necessidade de restrições alimentares similares à cirurgia bariátrica; mas 3,07% (duas pessoas) acreditam que poderiam ingerir todos os alimentos que quizessem e seis (9,2%) não souberam responder (Figura 6A).
Para realizar o PEA, 89,2% entendiam que precisavam ter sido operados bariatricamente, mas três achavam que não precisavam da cirurgia bariátrica e quatro deixaram a questão em branco (Figura 6B).
Resultado preocupante foi que 36,7% dos pacientes candidatos à PEA acreditavam que o álcool não era maléfico após o procedimento, e apenas 50,7% estavam conscientes de que o uso de bebidas alcoólicas poderia atrapalhar a perda ponderal e causar mal-estar. Ainda, oito pessoas (12,3%) não souberam responder.
DISCUSSÃO
A obesidade é doença crônica que precisa de tratamento permanente para obter resultados satisfatórios. O que se percebe neste manuscrito é que muitos doentes que procuraram os diversos tratamentos nem sempre estavam aptos a executar as orientações que recebiam da equipe multiprofissional, além de possuírem alguns conceitos equivocados sobre os tratamentos propostos e as limitações, fossem dietéticas ou comportamentais4.
A maioria dos operados queriam manter seu peso e sua imagem corporal magra, mas nem sempre estavam preparados para seguir as orientações que tratamento crônico requer10.
O uso da internet8, com formação de grupos de apoio sobre obesidade, está se tornando um meio eficaz na divulgação de informações sobre o tema, como confirma-se neste estudo, já que 44,6% dos entrevistados souberam do PEA através deste meio de comunicação.
Com a cirurgia bariátrica os pacientes precisam mudar seu padrão de vida para adaptar-se à nova condição. E com o PEA, que consiste em método de eletrocoagulação sem contato no qual a energia de radiofrequencia é aplicada ao tecido por meio do gás argônio ionizado, 87,6% conheciam sua limitação e admitiam não ser a solução para o reganho de peso e precisavam mudar seus hábitos para terem resultados satisfatórios. De acordo com Carolyn et al.3, durante o uso de dietas de restrição calórica, é necessário o cuidado com a escolha do macronutriente – com prioridade para a proteína -, para diminuir o risco de reganho de peso.
Dentre as muitas opções de tratamento para perda ponderal, os pacientes conheciam que o procedimento do PEA era não invasivo e que não demandava internamento; que todos recebiam alta hospitalar logo após o procedimento; e que o objetivo era o estreitamento da passagem do alimento.
A maioria entendia que o número de sessões variava de duas a três, sendo que essa necessidade era individualizada.
Com relação ao álcool, é preocupante que 47,6% consideraram a bebida não nociva à saúde de quem se submete ao PEA, e 40% dos pacientes apenas acreditavam que o álcool poderia ter efeito corrosivo no procedimento. De acordo com Yusef Kudsi et al.11, há alta prevalência de etilismo antes da operação e este seria o motivo principal do reganho de peso nos operados. Considerado aditivo calórico, o álcool exige acompanhamento multiprofissional permanente9. Nesta mesma linha, 50,7% dos entrevistados reconheciam que o álcool poderia promover efeitos maléficos à saúde, mas ainda 36,9% não consideravam esta hipótese verdadeira. Ferguson et al.6, ao estudar os hábitos de vida, verificaram que consumidores de bebidas alcoólicas e drogas antes do procedimento bariátrico, tinham maior predisposição a manter seu hábito e reganhar peso. Neste estudo não foram analisados dados anteriores à operação.
Sobre a dieta líquida, porcentagem alta de pacientes (18,4%) acreditavam que esta restrição de consistência, tinha o objetivo de promover emagrecimento, o que não era uma verdade real. O uso de líquidos imediatamente após a PEA, é para facilitar a cicatrização do estômago, e por consequência provocava emagrecimento rebote, basicamente por perda hídrica e de massa muscular, o que fisiologicamente não é saudável; porém, é o que precisava ocorrer neste momento. Cerca de 87,6% dos entrevistados sabiam da necessidade de restringir calorias para promover o emagrecimento tão desejado e que precisam revisar o padrão alimentar sugerido para o período pós-operatório da operação bariátrica. Sabe-se que após ela pode haver retorno aos antigos hábitos dietéticos, com alimentos macios em detrimento dos alimentos protéicos. Isto ocorre por dificuldade de aceitação das carnes, por falta de mastigação e diminuição de enzimas digestivas. Esta escolha alimentar dificulta a perda e manutenção de peso em longo prazo1.
Himpens et al.7 demonstraram que há reganho de peso entre os operados com bypass gástrico e que os pacientes precisam de tratamentos alternativos para tratar as morbidades que retornam. Os pacientes, em sua maioria (89,2%), aceitavam que precisavam ser operados bariatricamente para se submeterem ao PEA, e que apenas anestesia simples de endoscopia será utilizada.
Erick et al.5, abordaram os mecanismos do reganho de peso após a perda e concluíram que os cuidados deviam ser permanentes por tratar-se de doença crônica. Como existem inúmeras informações sobre obesidade na internet, muitas delas sem cunho científico, as equipes especializadas em obesidade precisam ter meios efetivos de oferecer apoio ao paciente, com informação mais aprofundada sobre métodos de tratamento, suas consequências e limitações. Deve-se especialmente esclarecer que os distúrbios psicopatológicos existentes no período pré-operatório, ou após o reganho de peso e tratamento com PEA, não serão resolvidos com o procedimento per se, e necessitam ser trabalhados e controlados com tratamentos específicos.
Várias pesquisas correlacionadas devem ser elaboradas para entender melhor quem é o paciente operado que reganhou peso e quais as suas expectativas sobre o PEA.
CONCLUSÕES
Os pacientes bariátricos que possuem uma segunda chance para retomar o emagrecimento, precisam de orientações permanentes. A internet debe ser usada pela equipe multiprofissional para conscientização de que o PEA não será suficiente para a perda e manutenção de peso em longo prazo. Ainda há a necessidade de re-esclarecer o prejuízo da ingestão de álcool no processo de perda de peso, amplamente divulgando seu malefício.
REFERÊNCIAS
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