Com o avanço das técnicas cirúrgicas para o tratamento da obesidade mórbida, houve a necessidade de um conhecimento minucioso para a correção de possíveis deficiências nutricionais causadas pela má absorção de nutrientes. Porém, com objetivo de apenas corrigir as carências de macro e micronutrientes, ficou negligenciada a preocupação com a toxicidade que o excesso de suplementos pode causar. Com o intuito de demonstrar suas conseqüências, este artigo visa alertar para este tema tão importante no acompanhamento nutricional após a cirurgia da obesidade.
A necessidade de suplementos nutricionais após o tratamento cirúrgico é bem conhecida por todos, devido a possíveis anemias recorrentes, alopécia, alterações oftalmológicas, dermatológicas, neurológicas que afetam os pacientes e preocupam a equipe que os trata.
Para o tratamento da anemia ferropriva, por exemplo, nenhum profissional hesita em oferecer ferro em quantidades suficientes para a sua correção, esquecendo-se muitas vezes que a sobrecarga de ferro é depositada na forma de hemossiderina em células reticuloendoteliais ou nas células parenquimatosas de certos tecidos. O local de deposição depende em parte da porta de entrada. Ferro em excesso derivado da absorção intestinal é conduzido aos tecidos, ligado pela transferrina plasmática e transferido para células parenquimatosas e reticuloendoteliais e eritroblastos em desenvolvimento. Por outro lado, o ferro administrado parenteralmente, sob a forma de transfusão de sangue, acumula-se predominantemente nas células reticuloendoteliais onde os eritrócitos transfundidos são finalmente destruídos e sua hemoglobina é degradada. Na sobrecarga de ferro, a concentração de ferro sérico e a saturação da transferrina geralmente estão aumentadas e a CLFT (contagem de linfócitos totais) pode estar deprimida. A hemocromatose gera dano hepático, com ou sem evidência de lesão tecidual. Outro órgão mais raramente atingido é o cérebro, quando afeta-se o sistema nervoso central, resultando de hemorragias subaracnóideas recorrentes, com o depósito de ferro nas meninges. Pode ser associada com ataxia ou outras manifestações do sistema nervoso central. Doses acima de 01mg aplicado endovenosamente podem causar cefaléia, convulsões, náusea, vômitos, febre, suor, hipotensão e mesmo choque anafilático. O paciente pode apresentar paladar metálico, hepatomegalia, esplenomegalia, além do ferro servir como substrato para infecções.
Para as cirurgias de derivação biliopancreática é rotina o uso de suplementos de cálcio para a prevenção de osteomalácia. Porém, a hipercalcemia pode gerar cálculos renais, tônus muscular frouxo, constipação, grandes volumes urinários, náuseas, confusão, coma e morte. Esta toxicidade nunca decorre do excesso de consumo de fontes de cálcio alimentar e sim de suplementos, usualmente tomados com álcali absorvível (hidróxido de metais alcalinos como lítio, potássio, sódio, além de seus carbonatos e bicarbonatos), que eleva o pH da urina e predispõe a depósitos de cálcio nos rins. Os indivíduos com cálculos renais apresentam altas concentrações urinárias de cálcio porque tem um vazamento renal deste mineral e podem ter uma redução das reservas de cálcio no esqueleto. Os efeitos podem variar desde letargia, sonolência, coma, anorexia, incoordenação motora, sede, náuseas, vômitos, paladar amargo, bradicardia, hipotensão, fraqueza muscular, pruridos e diminuição da função renal.
Pacientes submetidos a cirurgias de desvio intestinal têm concentrações de zinco sérico deprimidas. Em conseqüência, apresentam alopécia comumente. A capacidade absortiva está diminuída, uma vez que estes pacientes têm uma redução de 2/3 na área embaixo da curva de concentração de zinco após uma carga oral, em comparação com controles sadios, sendo um fator de risco para infecções oportunistas (1). Doses acima de 200mg/d de zinco são eméticas (provocam vômitos). Sinais típicos de toxicidade aguda por zinco incluem dor epigástrica, diarréia, náusea e vômitos. A toxicidade pelo zinco pode induzir uma deficiência secundária de cobre causada pela competição entre estes elementos pela absorção intestinal. Níveis de suplementos de zinco baixos, como 50mg por dia podem gerar um declínio na Cu-Zn-superóxidodesmutase eritrocítica. Consumos de suplementos de zinco acima de 150mg por dia podem diminuir HDL, provocar erosão gástrica e função imune deprimida. A US Environmental Protection Agency estabeleceu uma dose de referência oral DRf para o zinco – 0,3mg por kilograma de peso por dia. Um aumento nesta dosagem pode aumentar a probabilidade de efeitos deletérios. (3)
A deficiência de vitaminas lipossolúveis também é um achado comum em pacientes com derivação biliopancreática, por isso a necessidade de mensurar seus valores periodicamente para avaliar o uso de suplementação. Porém, deve-se atentar para os riscos que a hipervitaminose A provocada basicamente pelo consumo excessivo de vitamina A pré-formada (não de carotenóides). A presença de retinol esterificado no plasma de jejum (em associação com lipoproteínas plasmáticas) constitui um indicador precoce de hipervitaminose A. Os sinais de toxicidade podem estar associados ao consumo crônico de doses de até 10 vezes maiores que a RDA, resultantes de consumo exagerado de fígado alimentar ou automedicação. As manifestações da toxicidade por excesso de vitamina A incluem cefaléias, vômitos, diplopia, alopécia, ressecamento das membranas mucosas, descamação, dores ósseas e articulares, alterações hepáticas, hemorragia e coma. A explicação para este processo é que os retinóides podem se inserir, expandir e desestabilizar membranas. Sintomas como dores ósseas e nas articulações podem ser explicados pela ruptura das membranas das células e de organelas intracelulares como os lisossomos. (3)
A hipervitaminose A é igualmente grave à hipovitaminose e pode ser confundida muitas vezes com sintomas típicos da deficiência protéica ou de zinco ou de ácidos graxos essenciais que podem causar a alopécia, por exemplo, e confundir a equipe profissional que atende o paciente e induzi-los ao erro. Vômitos freqüentes também são relacionados à mastigação indequada ou à síndrome de “dumping”. Por isso a necessidade do exame bioquímico realizado regularmente para evitar condutas errôneas que prejudicam o estado nutricional do paciente.
A deficiência de ácido fólico, causando anemia megaloblástica, é pouco comum após a cirurgia da obesidade, atingindo apenas 04% dos operados. Mesmo com esta porcentagem otimista, a prevenção de sua carência é preocupação entre a equipe multiprofissional, especialmente em mulheres em idade reprodutiva. Sabe-se claramente, que sua carência pode afetar a formação do tubo neural do feto, e que como nem todas as gestações são planejadas, podendo a paciente ainda estar obesa, em processo de perda de peso e ter uma gravidez, todo cuidado é pouco para evitar abortos espontâneos. O ácido fólico, folacina ou ácido pteroilglutâmico é uma vitamina hidrossolúvel, e seu excesso deve ser excretado na urina, e não ser armazenada em tecidos, como ocorre com vitaminas lipossolúveis. Grandes quantidades de ácido fólico em sua forma oxidada, podem resultar em efeitos nocivos ao sistema nervoso, como reverter os efeitos antiepiléticos do fenobarbital, da fenitoína e da primidona e provocar convulsões em pacientes em terapia anticonvulsivante. Doses diárias de 15mg de ácido fólico por dia pode apresentar um efeito convulsivante. Fármacos anticonvulsivantes e o ácido fólico competem pela absorção através das células epiteliais intestinais e na parede das células cerebrais.
A integração entre a equipe multiprofissional é imprescindível, devido a muitos pacientes utilizarem medicações psiquiátricas antes e conseqüentemente após a cirurgia bariátrica e por isso precisarem receber doses controladas de ácido fólico e terem sua avaliação metabólica periódica para excluir os riscos de sua toxicidade.
Outro efeito observado na prática clínica são as alterações dermatológicas, descritas pelos pacientes como um “grosseirão” que manifesta-se em face e costas e que após a suspensão dos suplementos de ácido fólico oferecidos oralmente cessam em no máximo 48 horas.
Após a cirurgia bariátrica, há muita preocupação com a hidratação do operado. Como rotina nutricional, usam-se suplementos que favorecem o equilíbrio hidroeletrolítico do paciente. Alguns, porém, se ingeridos de forma indiscriminada, como o excesso de potássio pode causar parestesias, paralisia e confusão mental, além de arritmia, elevação da onda T e parada cardíaca e dores musculares. (4)
Enfim, para a manutenção da saúde dos obesos submetidos à cirurgia bariátrica, deve-se manter um controle metabólico rigoroso e uma integração plena entre a equipe multiprofissional que o acompanha, para a prevenção de excedentes de micronutrientes que podem comprometer o sucesso cirúrgico e sua saúde global.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- BRAUNSCHWEIG C. Minerals and trace elements. In: MATARESE LE, GOTTSCHLICH, MM. Contemporary Nutrition Support Practice: A Clinical Guide. Philadelphia: Pennsylvania, Saunders, 163 – 73, 1998.
- Recomended Dietary Allowances (RDA), 10ª. Ed. Subcommitte on the tenth edition of the RDAs food and nutrition board commission on life sciences. National Research Councial. Washington, DC: NationalAcademy Press, 1989.
- SHILS, ME, OLSON, JA, SHIKE, M and ROSS, AC. Tratado de Nutrição Moderna na Saúde e na Doença, 9ª. Ed. Manole, 2003.
- WAITZBERG, D Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática Clínica 3ª Ed., Atheneu, 2001.